Foram já muitos os que fizeram o Mezze acontecer. Mesmo que já não estejam connosco, o restaurante continua a ser deles também.
Chegou a Portugal em meados de 2018 e já deu música ao Mezze. No restaurante, não há quem cante como ele. Nasceu em 1987, em Alepo (a maior cidade da Síria), onde estudou Bioquímica – e chegou a trabalhar numa fábrica, até esta ter sido bombardeada. Perante a obrigação de cumprir serviço militar, decidiu fugir para a Turquia e tentar a sua sorte na Europa. Ao fim de dez tentativas fracassadas de chegar à Grécia, optou por pedir um visto para o Brasil, onde viveu quatro anos. Por isso, já dominava o português quando chegou a Portugal. É com sotaque brasileiro que o Adam atende os clientes do Mezze. Aqui mata saudades da comida de casa, mas ainda lhe faz falta o manounieh (doce com sémola de trigo e água de flor de laranjeira) que a mãe costumava preparar-lhe ao pequeno-almoço.
O César nasceu em Pemba, no Nordeste de Moçambique, em 1962. A guerra civil fez a sua mãe partir para Portugal e ele, o último de sete irmãos, acabou por vir também, aos vinte anos. Mais tarde acabaria por tentar a sua sorte em Nice (França), onde viveu praticamente duas décadas, trabalhando numa estação de comboios. Em 2011 voltou para Lisboa e depois de passar por alguns bares e restaurantes veio ajudar a abrir o Mezze. O prato que o transporta directamente para Moçambique é o lumino (peixe frito com mandioca e leite de côco), mas adora a mujaddara (bulgur com lentilhas e cebola frita) que se serve no Mezze.
A Faten nasceu em Damasco, em 1980. A sua vida alterou-se bruscamente ainda antes da guerra, quando perdeu o marido. Ficou sozinha com as suas três filhas, mas apenas duas vieram para Portugal consigo, em 2016. A mais velha, de 20 anos, está ainda na Síria, para onde a Faten espera um dia voltar. Até lá, trabalha na cozinha do Mezze, onde se tornou exímia a fazer yalanji (rolinhos de arroz embrulhado em folha de videira), ainda que a sua comida favorita seja o kibbeh (pequenos bolos de carne e especiarias).
A Fatima garante que só começou a cozinhar quando casou – antes disso, era a sua mãe que fazia tudo. Mas como ela diz, “na Síria toda a gente nasce a saber cozinhar”. Tem um paladar apurado e uma mão treinada e precisa. Perdeu o marido na guerra e ficou sozinha com cinco filhos, alguns já criados. Atravessaram a fronteira para a Jordânia, depois instalaram-se no Egipto, de onde, em 2015, veio para Portugal (apenas um dos filhos ficou na Turquia, mas sempre na expectativa de se juntar ao resto da família). Atribuir-lhe um prato é quase um sacrilégio. Mas a ter que escolher, a Fatima aponta para o yalanji (rolinhos de arroz embrulhado em folha de videira).
Há muito tempo que a Fatma espera poder juntar-se ao marido. Ele praticamente não conhece o filho, Jan, que nasceu no Líbano. A última vez que o viu, Jan tinha dois meses. Agora tem mais de três anos. Fatma fugiu da cidade curda de Afrin, na Síria (onde nasceu em 1987), e depois do Líbano foi para a Turquia, seguindo para a Grécia. Chegou a Portugal em 2016. Não veio sozinha. Para além de Jan, está com os pais e alguns primos. Mas o sonho dela é ter a família completa à volta de mesa a comer mahashi (legumes assados recheados com arroz).
O Huruy nasceu na Eritreia em 1978 e desde então já se tornou refugiado duas vezes. A primeira foi quando a sua família teve de fugir para o Sudão. Anos depois voltou para o seu país, mas acabou por ser novamente obrigado a sair: Sudão também, de seguida Líbia, Itália e finalmente Portugal. Uma das coisas que o Huruy mais gosta é tocar rebab, um instrumento de cordas. Na Eritreia tinha uma banda e tocava em casamentos.
Mezze significa refeição de partilha, com amigos ou com a família. É uma festa de pequenos pratos coloridos e apetitosos onde nunca falta o pão, para ser degustada com tempo. O mezze pode ser quente ou frio, doce ou salgado, subtil ou condimentado. Mas tem de ser sempre delicioso.